DIAS FELIZES, SAMUEL B. BECKETT

Este projeto foi desenvolvido no âmbito da proposta da Unidade Curricular de Pesquisa Artística I. Nesta unidade curricular, inserida no plano de estudos do Mestrado em Artes Cénicas, Ramo de Cenografia, foi-nos proposto o desenvolvimento de dois projetos cenográficos que servissem “Dias Felizes”, uma peça de Samuel Beckett. Cada um destes projetos deveria ser pensado tendo em conta dois espaços diferentes, dois contextos diferentes: espaço convencional e cinema e Tv.

ESPAÇO CONVENCIONAL
Barro/Terra/Argila - A MATÉRIA COMO SIGNIFICADO

Nesta primeira proposta optei por elaborar uma cenografia que respondesse às necessidades das anotações de Beckett. Desta forma, Winnie está enterrada numa montanha de argila até à cintura, inicialmente húmida, e acaba a peça enterrada até ao pescoço, nessa mesma montanha, que eventualmente secou e começou a rachar, a partir.
A escolha do material deve-se às suas características: é terroso, natural, de fina granulação; é maleável quando húmido e duro quando seco. Permite modelação, permite a intervenção do Homem enquanto fresco, molhado. Depois de seco, torna-se impossível a transformação da sua forma, a não ser que seja partido. O barro, mesmo quando bem seco, não é um material forte, não oferece nenhuma proteção. É frágil.
Para além da argila, da terra, estarem muito ligadas ao feminino, ao corpo da mulher, estão também relacionadas com a origem e com o significado da vida; com o ato da transformação. A questão que me interessa principalmente abordar aqui é a efemeridade da argila; a sua humidade, a sua metamorfose e a dificuldade que vamos enfrentando na sua modelação à medida que ela vai secando.
Assim, nesta peça, a minha intenção é que haja uma evolução e manipulação do material em questão em cena. Inicialmente avistamos uma montanha húmida, que pode ser manipulada e permite alguma mobilidade. Apesar de enterrada até à cintura, Winnie consegue movimentar-se parcialmente. No segundo ato a montanha estará seca e Winnie enterrada até ao pescoço. Desta forma, a atriz estará paralisada e a sua montanha começará a rachar.

CINEMA E TV 
“O lugar da mulher é na cozinha.” (Mulher do séc. XX, dona de casa da década de 50)
            
O papel da mulher sofreu grandes mudanças nos anos 50 com a chegada dos homens vindos da guerra e que ocuparam os seus trabalhos pois, durante a segunda grande guerra, as mulheres tinham ocupado os cargos daqueles que para lá tinham ido.
Depois da guerra, as mulheres queriam manter os seus trabalhos, mas, muitas delas, acabaram por se tornar mães e donas de casa; e é este grupo de donas de casa que pretendo abordar com este projeto. As mulheres deram por si a cuidar da casa e dos seus filhos, sem qualquer tipo de objetivos na vida que não estivessem relacionados com o seu lar, com a sua família.
Muitos dos anúncios nas revistas e na televisão mostravam-nos aquele que seria o ideal da maternidade. Estas publicidades relacionavam-se com as lidas domésticas, que eram encaradas como “preocupações femininas”, pois eram as mulheres que estavam responsáveis pela manutenção dos produtos para casa. E em todos eles a mulher era representada a sorrir e bastante satisfeita com a sua posição, abraçando-se aos eletrodomésticos e produtos de limpeza. Nunca uma mulher esteve tão feliz a aspirar a casa. O único objetivo de vida destas tão empenhadas donas de casa era atender às necessidades dos seus maridos e filhos. E a sociedade acreditava que este deveria ser o seu único objetivo.
O número de raparigas que entrou para a faculdade desceu drasticamente nos anos 50. Muitas mulheres deixaram a faculdade mais cedo do que era suposto para casar, depois da guerra, e aquelas que continuaram não pretendiam trabalhar depois. Elas esperavam ter uma vida calma com os seus maridos, enquanto cuidavam da sua casa. O plano de estudos das estudantes femininas devia prepara-las intelectualmente e emocionalmente para uma vida com a sua família. As mulheres tomavam muitas das suas decisões tendo em conta aquilo que a sociedade pensava sobre elas.

Assim, situei a minha proposta no século XX, nos anos 50, e equiparei a Winnie a uma mulher que tenta cuidar da sua família da melhor forma possível; são-lhe atribuídas tarefas que, por definição, se relacionam com os seus deveres: cozinhar, passar a ferro, lida da casa. E ela executa-as como se fossem realmente as suas obrigações.
Enquanto Winnie passa a camisa de Willie, o seu marido, a ferro, que está casualmente sentado na sua poltrona, de costas para ela a ler o seu jornal, a cozinha vai-se inundando gradualmente. E ela continua a passar a sua camisa, como se fosse a coisa mais natural do mundo. E se a camisa engomada é sinónimo de felicidade, então ela passará a ferro até que os seus dias acabem. Apesar de lhe ser atribuída essa conotação, ela não o vê como uma obrigação.
Winnie vive de acordo com o desejo de que Willie a olhe ou lhe responda de vez em quando. Apenas uma palavra sua a leva a declarar que este será um dia feliz. E ela continua animada e sobrevive como a maioria das esposas e donas de casa sobrevivem: não questionando os dados da sua existência, mas focando-se nas necessidades diárias.
O espaço “cozinha”, neste caso uma cozinha decorada tendo em conta o estilo dos anos 50, é ilustrado como um espaço atribuído aos seus deveres como mulher: “o lugar da mulher é na cozinha”. E a inundação na cozinha representa a sua conformidade com toda esta a situação. A água vai subindo, devagar, até que cobre Winnie e a sua cozinha na totalidade, deixando-a sem hipótese de se expressar, de se manifestar.
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