With the aim of illustrate some texts (five) of a friend of mine, Manuel Seatra, I created five ilustrations. 
My purpose was to explore type and illustration altogether, with caracter and singularity
Adormeci - Asleeped
 Fui desviando os lençóis, desvendando os meus traços ainda vincados de uma noite, curiosamente, bem dormida.
 Não me lembrava do que era dormir bem. De deitar na exaustão de uma noite ainda cerrada e acordar com chilrear dos pássaros dos sonhos a dizer que já é dia (se bem que já o dia nasceu há muito e o chilrear sabe mais a um bom dia).
 Que saudades do sonho sem lembrar o que sonhei, a ser uma espécie de pó sem manchar a mente, antes a polvilhá-la.
 Quebrar insónias tem um sabor doce a desfazer-se debaixo da língua. Há uma voz de sussurro a chamar o que não se consegue ouvir pelos olhos inchados, ouvidos numa espécie de apito e o andar cambaleante a imitar embriaguez. Deitei-me a ver se era desta que vinha o sono.
 O sono veio, continuo sem entender a tal voz mas acho que estava a pedir-me que me deitasse e sonhasse Lisboa num apagão dormente.
Manuel Seatra
01/03/2014
15:37h
Carta de um Marido com Saudades - Letter from a yearning husband
 Quando for velho quero ter uma caixa de cartão onde possa guardar as folhas amarelecidas das nossas cartas e quero ser enterrado com elas. A caixa cheia de terra,
eu cheio de terra,
a vida cheia de nada porque não torno a estar de olhos abertos.
 Posso dormitar de vez em quando na mesa da sala de estar e tenho mais dois ou três caprichos para quando for velho. Por agora vou-me esquecendo de que ainda não o sou - ponho os pés no sofá como tu não gostas
e demoro a acabar as refeições para te ouvir resmungar sobre teimar em saborear os mesmos pratos há vinte anos em vez de me despachar e imitar os teus movimentos mecânicos já a pensar em lavar a loiça.
 Não gosto que os meus sonhos sejam batalhas jurídicas a tentar ilibar-me do crime de fazer as camas dos miúdos
(ainda por cima decidiste juntá-las tanto à parede e mal chego aos lençóis com a hérnia que ignoro quando estou horas de volta das minhas pilhas de CDs na posição que o médico sugeriu que evitasse)
mas pouco ou nada mando no meu subconsciente nem no acordar exaltado quando perco os casos.
 Um dia destes pego no carro e vamos os cinco até um sítio bonito,
estava a pensar no Gerês mas é onde quiseres, conheces a minha preferência por sítios pacatos com cascatas e bons vinhos e conheço o teu bom gosto em que confio há largos anos.
 
 As melhoras meu amor.
(e volta depressa que a hérnia anda a dar de si por não fazermos as camas por turnos)
 
Manuel Seatra
27/08/2015
02:17h
Absten...Quê - Absti...What?
 Vamos Povinho, engole o xarope de uma vez. Vamos, vamos todos conspurcar-nos na ignorância. Estás revoltado, é? Não votes meu pequeno, nunca votes. Se fosse a ti ia ao Rock In Rio, ia às Caraíbas, ia ao Brasil! Por aqui é que não, por aqui nunca a ver as galinhas mudarem de poleiro (mesmo sendo sempre sempre as mesmas galinhas). Não ficava a não ser que fosse prostrado em frente a uma televisão sentado num trono de veludo de cervejinha na mão (mas quando começarem as notícias é favor mudar de canal que eleições é que não).
 Isso Povinho, continua aí, continua conformado. Deixa que te enfiem tudo pela goela abaixo. Tu calas-te e achas que te estás a revoltar. "Não vou" dizes tu. Olha que inteligente, Povinho. Olha que gesto de revolta esse do não fazer nada. Era bonito, Povinho, era bonito se as tais galinhas que são as mesmas há anos se questionassem sobre isso. Se as tais galinhas (que nada mais fazem senão cacarejar sentenças semelhantes) quisessem saber minimamente do teu silêncio.
 Agora pergunto-te mais sério: Quando será que acordas, Povinho?
Manuel Seatra
26/05/2014
11:32h
Os Lábios finos da Velhice - The thin lips of the old age
 Estava há pouco a lavar a cara e senti mais uma ruga. Vi-me ao espelho. Lembro-me de ser homem, de ser viril, dos melhores no meu esquadrão na tropa, dos melhores no boxe da faculdade e, num ápice, vejo este velho para aqui especado.
 Este velho não sou eu, não me sinto eu. Uma cara chupadinha com quase barba nenhuma (eu que tinha uma barba de Che Guevara quando trabalhava na oficina). Uns olhos miúdos (míopes) e cansados a espreitar pelo espelho a dentro e a tentar decifrar cada entranha menos viva e mais forçada a ser entranha.
 Esta manhã fui correr, correr é como quem diz - dar uns passos mais confiantes para a minha idade avançada (ela sim, corre). O medo entorpecia-me os passos e suava-me o fato de treino. Tive tanto medo de cair, de os atacadores se desatarem e não saber atar de novo, de me esquecer do caminho de volta a casa sem sequer ter saído do bairro e reconhecendo os vizinhos.
 Que vergonha, eu, as minhas mãos gastas que não reconheço quando as olho a querer lembrar-me dos meus quatro anos em que atirava pedras com força a um descampado sem ninguém para ouvir o baque seco de caírem na terra batida. Que vergonha um coração que já não é veloz mas que, tão veloz, nos meus vinte anos aos beijos secretos com a minha Margarida atrás do quartel.
 O regresso a casa foi estonteante. O semáforo dos peões insistia numa meia hora vermelha. Finalmente em casa noto a sala de estar confortável e a Margarida com um ar sereno (uns cabelos que ficaram brancos cedo e que me dão a impressão de brilhar no escuro) no sofá a olhar o relógio de cuco que marcava as dez horas da manhã e mais umas migalhas de minutos sem grande importância.
“Madrugaste.”
“Fui correr.”
“Corre até mim então, sonhei connosco jovens atrás do quartel, lembras-te?”
 Corri nos meus passos de velho confiante e veio um beijo que atrasou o relógio e o coração até aos meus vinte anos. Não estávamos casados, estamos jovens às gargalhadas silenciosas, eu fardado, atrás do quartel dos nossos sonhos.
Manuel Seatra
29/08/2014
15:20h
O Voto de Silêncio - The Silence Vote
Leve turpor
Ao destapar as tuas pesadas cordas vocais.
“Há quanto tempo não falas?”
Cessaste o teu expressar.
Por protesto?
Greve?
E sabê-lo,
Se não mo dizes…
Lá te decides:
“Nada disso”,
Rompes o teu silêncio.
“Faço-o por mim.
Para afastar a voz
E me manter ouvinte.”
Assim fico eu pasmado,
Embevecido no teu curto discurso.
Pensamos em coisas enormes,
Greves, protestos…
Tão grandes
Que nos esquecemos de ouvir.
Pergunto-me agora
Se era eu quem não estava a falar.
Manuel Seatra
20/01/2014
00:37h
The texts are in Portuguese, Manuel's and my birth language, there isn't yet the translated version.
Thanks for Watching! 
....And Reading
5 texts 5 drawings
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Five illustrations for a Manuel Seatra's smart texts about saudade and with some Portuguese accent

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