Entrevista Paulo Ito
24 de outubro de 2018

1. Bom, eu comecei a pintar, acho que a minha primeira série mesmo é de 98/99, eu sempre desenhei, sempre pintei, lá pela década... quando entrei na faculdade eu tinha provavelmente 100 páginas de história em quadrinho, sempre desenhei tudo isso, pintura mesmo em superfícies maiores como painel e mural, começo em 97 no Campus da Unicamp, onde fiz artes plásticas.

2. Processo de criação é tá sempre atento... Picasso fala algo nesse sentido, inspiração pode até existir mas ela vai vir mais fácil se você tiver já atento, se você tiver trabalhando, ela aparece mais, eu acho que é por aí... tá sempre anotando ideias, como eu faço anotações de texto, de áudio ou do próprio desenho rápido, outra coisa eu acho que é se alimentar de cultura, não de entretenimento somente, daquele filme fácil, daquele livro de autoajuda e sim de material que realmente tem algum propósito, alguma pretensão artística.

3. Eu tento não bajular o público, não quero um público adestrado, não quero um público que vai pelo lado fácil ou confunde arte com entretenimento, não quero causar essa confusão. Eu não quero ir para o lado frágil de algumas pessoas que se tomam por, digamos, sentimentos fáceis ou superficiais, acho que a ideia é nunca baixar o nível por mais que o grande público tenha nível um pouco mais precário para o entendimento de arte. Eu não vou baixar o nível para ganhar dinheiro ou para ser um grande empresário, porque status do artista que ganha com o fácil é status de mentira, é status fake, é status que só as pessoas que entendem menos conseguem valorizar, só as pessoas que confundem artista com empresário vão valorizar o status de uma arte fácil e superficial. Então, por outro lado, a minha arte tem um público modesto, mas tem um público muito qualificado, tem um público muito interessado, um público que tem interesse em se qualificar, e isso gera um... eu não tô atrás de status tá! mas é um reconhecimento que tem muito mais qualidade do que o reconhecimento de uma pessoa que acha que arte é decoração, é entretenimento e acaba confundindo esse empresário disfarçado de artista, com alguém que tem uma intenção artística de verdade.

 4. É possível viver de arte em praticamente todos os lugares do mundo, arte costuma ser reconhecida, embora vivamos um momento em que a arte tende a ser deixada de lado, existe uma imagem de que o artista mama nas tetas do governo e é vagabundo, a questão é, como você quer viver, você quer ganhar um monte de dinheiro, você tem que ser esse empresário que eu falei, para um lado fácil e medíocre muitas vezes, mas você pode também viver de arte como vive um hippie que faz artesanato, com muito pouco você pode viver dessa maneira, pode viver de inúmeras maneiras, você pode participar de editais, aí se engana quem acha que o edital é uma grande verba que deixa o artista rico, eu tô participando de um trabalho de animação e se você fizer as contas, o cachê é muito pior do que fazer um painel, do que pintar para clientes particulares, é muito pior. Esse é um dinheiro que vem de verba pública, pode acreditar que não é nenhuma mamata, não é mamar na teta de ninguém, isso é besteira, isso é burrice de uma certa parcela da população que está cega pelo ódio e não consegue discernir as coisas, é uma parcela que valoriza esse artista que não tem qualidade nenhuma por exemplo... grandes... grandes não né...pequenos. Pequenos artistas, mas grandes empresários! Que nem alguns músicos, fazem música de péssima qualidade... inclusive o eleitor de um certo candidato que gosta de ir lá assistir, esse sim é super caro esse sim é um artista que só existe porque a qualificação do público é muito ruim, e muita gente gosta de coisa de qualidade ridícula, que movimenta muito dinheiro, esse artista sim você pode dizer que ele mama nas tetas, porque a verba aí sim é muito grande... e é grande porque muitas pessoas gostam desse tipo de coisa. E a empresa quando a lei rouanet, não é que ela escolhe um artista que é amigo dela, ela escolhe um artista que é caro ao público, e o público tende a gostar da música ruim, de arte ruim, tende a se alimentar mal, tende a votar mal. Esse infelizmente é a maioria do público que tem no Brasil, então, uma parte desse público que acha que essa verba que eles fazem correr, julgam ser os pequenos artistas que são os vagabundos e mamadores de verba, e as fake News disseminam isso e outras barbaridades numa velocidade impressionante. Então é lamentável tudo isso, e esse tipo de imbecil esquece que o artista, o pequeno artista, tem uma trajetória muito difícil especialmente no começo da carreira. É conhecido em artes plásticas, que um artista leva muito tempo para conseguir ter uma certa projeção, conseguir viver da sua arte de uma maneira digna. Os primeiros anos de muitos artistas são precários, muito difícil, esses artistas põe a cara a tapa para imbecis como esses que falam essas barbaridades, põe a cara a tapa para todo mundo com sua arte, tem que se expor de uma maneira que muitas vezes é muito desconfortável, alguns colegas desistiram do ofício por conta disso, então quem fala isso não tem a menor noção das dificuldades que é viver da própria arte. Quanto aos editais, continuando... muitas vezes vão privilegiar certas linhas de editais como a lei Rouanet por exemplo, como eu disse vão privilegiar o retorno financeiro, não a qualidade artística, em certos momentos, sim, alguns artistas vão ter um cachê que vai estar melhor do que quando ele começou é claro, isso é fruto de muito esforço, muita exposição e muita força de vontade, se a pessoa trabalhou 12 horas por dia ou trabalhou seis, não deve ser moldado por aí, como eu disse se o artista tem que estar sempre atento, então mesmo quando ele tá indo ver uma exposição ele tá trabalhando, quando tá consumindo cultura ele tá trabalhando também, então existe uma visão bastante deturpada, a pessoa que faz esse tipo de comentário trabalhou mais do que deveria, ela deveria reivindicar os direitos dela, e não condenar e julgar os outros com uma coisa que ela não conhece.

5. Salões de arte, bienais e museus tendem também, assim como a lei Rouanet a prestigiar os grandes artistas e pouco ou nada fazem para artistas menores, eu valorizo iniciativas como bienais paralelas, como a ''Bienal de Cu é Rola'' da Xiclet, por exemplo, em que artistas menores tendem a ganhar expressão, o patrocinador não quer saber de patrocinar os pequenos, já quer chegar no fácil ele quer dar o dinheiro e já receberam o dobro de volta; é que nem no futebol, ninguém na base tá apoiando ninguém, aí quando um vira milionário todo mundo quer estar do lado, quando tá no clube europeu todo mundo quer tirar uma casquinha, então na arte é a mesma coisa, é uma cultura ruim humana, uma cultura péssima brasileira, existe pouco incentivo também de governo nesse sentido, lógico que existem editais, porém os grandes museus você entra e o nome do patrocinador é maior que o nome do museu, dos artistas, isso só existe no Brasil é lamentável, quer dizer talvez exista em outros países tão atrasados quanto, porém os países vão para frente né, a gente tá indo para trás, então não se sabe o que vai acontecer.

6. Já tive um monte de trabalho censurado, apagado, já fui coagido a apagar, já fui ameaçado de agressão, já sofri agressão, então sem novidades.

7. As minhas influências tem muito a ver com humor gráfico, dá para dizer que o Quino para mim é uma grande influência, Quino né, o artista argentino; André Dahmer para mim é uma inspiração, Blue para mim eu acho um cara legal, Banksy de uma certa maneira.... Muitas inspirações vêm de filmes, vêm de artistas de outras épocas, vêm de situações que a gente vive, atrocidades que eu vejo e escuto. Hoje em dia parece que entre praticar uma atrocidade e falar, a ponte tá cada vez menor, então é lamentável, mas isso me angustia e acaba me inspirando, então vem de todos os lados.

8. Eu acho que a ascensão do fascismo sempre vem carregada de visões bastante superficiais e muito emocionais. Tem uma frase em uma musica de um cantor italiano que chama o "Tio Fascista", eu vejo isso em alguns colegas que apoiam esse certo fascismo, certo não, desculpa, esse fascismo que você vê em certo candidato, essa música se chama o 'Tio Fascista', então ao mesmo tempo que elogia esse tio e entende que ele saiu da cidade dele, andou a pé até Roma no levante do Mussolini, durante a Segunda Guerra, quando ele não tinha recurso, quando estavam numa Itália miserável, mas que ele acreditou... e por outro lado ele tinha família, com 20 anos tinha filho, ele criou essa família e conseguiu pagar suas contas... e diz a musica, "o coração muito mole e a cabeça muito dura", então, a esquerda tem também isso, quando tem algum tipo de orador, surge em momento de crise como a gente viu com o Hitler, tem um aspecto emocional muito forte; hoje em dia já pouco importa o que os candidatos falam e sim o jeito, que mostram que as pessoas que tem uma fragilidade intelectual mais protuberante entre nós, tem também gente que estudou e acha isso também, que é mais lamentável ainda, gente que teve oportunidade; muitas pessoas tiveram oportunidade no sentido tecnocrata da coisa e desenvolveram pouco ou mal o lado intelectual, aí você vê os artistas que apoiam esse candidato, flertam muito mais com entretenimento do que com arte... ou fizeram arte algum dia e depois foram incapazes de produzir e correram para qualquer lado, para um lado onde pudessem refugiar suas frustrações talvez; historicamente são poucos artistas que apoiaram o conservadorismo, acho que é que nem água e óleo, mas a massa acaba achando que esses são artistas, quando a arte que eles fazem tá cada vez pior; as pessoas chamam comediante de artista, você vê que o conteúdo dele é chacota, tem pouca reflexão, é espantoso, lógico que esse não sente medo do conservadorismo porque tá abrigado numa rede de televisão, tem bastante dinheiro, tem bastante seguidores que seguem a superficialidade boçal que eles professam e propagam.

9. O que me espanta é que acham tudo isso normal, ou seja, se um partido roubou, abre a porta para todos os tipos de barbaridade, me parece um tanto perigoso e um sinal de alerta; acho uma pena as pessoas perderem laços e vínculos através do que as bolhas de mídia social propagam. Enquanto na Itália o fascismo existia, era comum ter uma pessoa da família que apoiava, outra era comunista ou socialista, se olho para isso no interior de famílias de núcleos pequenos, pelo menos havia discussão. Hoje eu acho que as pessoas se afastam cada vez mais e não se dão conta do perigo que é tudo isso... . Espero que eu esteja errado, eu não sei o que vai acontecer, mas, enquanto artista imagino muitas coisas, espero que não tenha que sair do país, como professa esse candidato, "os incomodados, a oposição será presa ou exilada...". Será que isso não deve ser levado a sério? Parece que não levam nada do que ele fala a sério, gostam do jeitinho dele, para mim é um jeitinho escroto para caramba.

10. Interessante sua pergunta, é um pouco do que eu estava falando, eu acho que não é problema você se desvincular... fazer uma arte sem preocupações, puramente estética, é legítimo também. Por outro lado, quando você tem essa linha, mas você assume publicamente que você não tá nem aí, quando você apoia o candidato que não está nem aí para a arte, você assume que a arte não importa. Aí você realmente dá uma chancela de "entretenimento" a sua produção, você remete que você tá fazendo mesmo superficialidade ou algum grande engodo ou engano, pelo menos dá essa impressão. Não dá para afirmar isso categoricamente, mas dá bastante essa impressão. Ok, existem também outros artistas que pintam flores por exemplo, mas particularmente em uma conversa você vê que eles têm visão, um posicionamento que não é fascista ou reacionário. Sem ser petista e sem ser comunista, existe muito essa confusão, sem ser vagabundo e sem mamar nas tetas do Estado, como os idiotas querem fazer crer, é isso, eu acho que sim, a arte é política e política é arte sim, é se posicionar. Não se posicionar já é uma forma de se posicionar também, mas tudo é política.
Paulo Ito
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